Trabalho escravo: Vamos abolir de vez essa vergonha.

Abaixo-assinado pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo sem alterações na definição de escravidão
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27/05/2012 - Notícias do TST

Ministro Lelio Bentes Corrêa faz análise do trabalho escravo

Qual o significado da aprovação da PEC do trabalho escravo, pela Câmara, esta semana?

Não há a menor sombra de dúvida que representa um marco na história do Brasil. De um lado todas as instituições governamentais envolvidas no processo de repressão a esse crime estarão, a partir da aprovação da PEC, melhor aparelhadas, contando com um instrumento muito mais poderoso para coibir tal prática. De outro lado, a expectativa internacional será correspondida. Há vários anos a Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), anualmente, indaga ao Brasil sobre o andamento desta PEC, ressaltando a importância de se dar esse passo, pioneiro no mundo, para o enrijecimento das penas aplicáveis aos que exploram o trabalho escravo. O Brasil, sexta economia mundial, desperta o olhar da comunidade internacional não apenas por seu potencial econômico, mas por aliar crescimento ao efetivo respeito e promoção dos direitos humanos. O trabalho escravo ainda é uma nódoa na nossa imagem internacional, e precisa ser eliminado rapidamente. Eu não tenho dúvida de que a possibilidade de se impor uma sanção pesada, de ordem patrimonial, aos infratores, contribuirá para acelerar o processo de erradicação do trabalho escravo no Brasil.

O senhor acha que a medida pode vir a penalizar pessoas inocentes?

Algumas vozes se levantam nesse sentido, mas esse discurso não se sustenta em bases reais. Eu não tenho conhecimento de qualquer situação em que a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e a atuação do Ministério Público do Trabalho tenha resultado em qualquer tipo de sanção abusiva, contra quem não praticara qualquer irregularidade. Nem há notícia de que se tenha movido ação penal de forma leviana. A atuação dos órgãos responsáveis pela implementação da lei trabalhista e penal no Brasil tem sido firme, mas extremamente cuidadosa e responsável. De forma que eu não vejo como a aprovação da PEC possa por em risco a situação de quem age em conformidade com a legislação brasileira. Ao contrário, a não aprovação da PEC traria o risco para essas pessoas - a grande maioria, que contrata os trabalhadores de forma regular, e respeita seus direitos. Há o risco de elas acabarem sendo confundidas pela comunidade internacional com uns poucos criminosos que deliberadamente vilipendiam a dignidade dos trabalhadores, submetendo-os a condição análoga à de escravos. É, portanto, no interesse da economia nacional, da cidadania e dos próprios setores produtivos – especialmente o agroindustrial – que se deve lutar pela a aprovação da PEC 438, a fim de, uma vez por todas, marcar a posição do Brasil contrária aos grupos minoritários que atentam contra a lei e a dignidade do trabalhador.

Por que submeter pessoas a situações de trabalho degradantes, análogas às de escravos?

O trabalho escravo no Brasil certamente é resultado de uma visão anacrônica do estágio de desenvolvimento econômico e social, e acima de tudo, de uma ignorância absoluta dos padrões mínimos de dignidade exigidos pelos direitos humanos. Ele resulta da falta de consciência cidadã, ética e social de quem explora os trabalhadores, e é fomentado pela impunidade. A prática iguala o trabalhador a um objeto, e o que é pior, a um objeto pelo qual não se tem o menor apreço. O que determina o fenômeno do trabalho escravo é a cultura da superexploração: alguém se valendo da situação de extrema fragilidade de outrem – pobreza, falta de instrução formal, necessidade de sobrevivência, irregularidade de imigrantes – aliado à perspectiva de impunidade. Esse é o contexto que favorece o desenvolvimento do fenômeno do trabalho escravo em qualquer meio, seja rural ou urbano. Por isso o seu combate requer uma atuação firme do Estado, impondo sanções severas.

Há quem defenda o fator cultural para determinadas práticas do meio rural, consideradas exploratórias pela fiscalização. Como, por exemplo, fazer as refeições no pasto, beber água de córregos, e não ter banheiros públicos. O senhor concorda?

Quando eu era pequeno acompanhei pela imprensa um caso em que um homem matou uma mulher por ciúmes, e foi absolvido porque agiu em "legítima defesa da sua honra". Naquela época, o homem tinha o direito de "lavar a honra com sangue". Isso era considerado cultural. Durante muito tempo, as mulheres não podiam sair de casa para trabalhar porque a sua função era cuidar da família. Isso também era cultural. Mas a cultura muda! Ela evoluiu para reconhecer que homens e mulheres são iguais em valor. Jamais se pode admitir que a exploração de uma pessoa pela outra, a ponto de reduzir a patamares inaceitáveis a dignidade humana, tenha uma justificativa cultural. Não se pode admitir a evocação de fatores culturais para justificar diferenças que humilham, que espezinham e impedem o progresso e crescimento alheio. Esse discurso constitui um elemento "cultural" tipicamente urbano. É um discurso de classe dominante que quer justificar o seu domínio, marcado por um determinismo que conduz, em última análise, à conclusão de que ao pobre toca a pobreza, e ao rico a riqueza, ainda que extraída do suor, do sangue, e da liberdade do pobre. Com isso não se pode compactuar, não em um País em que se prima pela democracia, pela liberdade e pela igualdade.

O trabalho escravo pode ser considerado lucrativo para quem o explora?

Precisamos ver sob dois aspectos bem distintos a questão da lucratividade. Por vezes, enquanto a exploração é praticada sem a devida punição, pode-se ter a falsa impressão de que há compensação econômica para os criminosos. (uso essa adjetivação - decorrente do Código Penal - por me recusar a enquadrar indivíduos que submetem trabalhadores a essas situações como empresários ou produtores rurais; eles são criminosos). Já quando o tema é examinado sob a ótica da economia numa perspectiva mais ampla – seja pela percepção dos produtores rurais, empresários, e economia nacional – constata-se que as perdas são gigantescas, porque a atuação de uma minoria, de um indivíduo que seja, compromete a imagem de todo um setor produtivo. Esse é o caso, por exemplo, do agronegócio, setor essencial à prosperidade do País. Exatamente por isso é fundamental que o setor agroindustrial do Brasil some forças a outros setores que há muito lutam pela aprovação da PEC 483, a fim de se impor mais essa importante e decisiva barreira à exploração do trabalho escravo no Brasil.

No Brasil ainda não temos condenações penais por exploração do trabalho escravo. O senhor acha que a legislação é falha no que se refere a esse crime?

Os juízes têm sido muito cautelosos, diante de uma legislação suficiente, ainda que não a melhor. De fato, o Código Penal merece um aperfeiçoamento, mas que pode ser facilmente atingido por meio da tramitação de projetos de lei que já se encontram no Parlamento brasileiro. Dentre eles, em especial, o PLS 208/2003, que define com clareza exemplar cada uma das etapas que tipificam a conduta de exploração do trabalho escravo, e outras condutas relacionadas ao trabalho degradante. Esse aperfeiçoamento virá em benefício da efetividade da prestação jurisdicional na esfera penal, pois quanto mais específico o tipo penal, mais eficaz a sua aplicação. É importante ressaltar, porém, que essa possibilidade de aperfeiçoamento do Código Penal não significa que a nossa legislação atual seja confusa, ou dê margem a uma aplicação equivocada.

Como o TST analisa os processos que envolvem trabalho escravo?

Não foram muitos os casos que chegaram ao tribunal. Na Primeira Turma já analisamos dois processos. O julgamento do primeiro já foi concluído, e teve como resultado a imposição de sanção pecuniária de grande vulto ao infrator (5 milhões de reais). A jurisprudência do TST tem se demonstrado muito firme, passando a mensagem clara para a sociedade brasileira no sentido de que não há justificativa para o espezinhamento da dignidade do trabalhador. Gosto de citar Oscar Ermida Uriarte, para quem "o trabalhador não despe o paletó de cidadão na porta da fábrica para vestir o macacão de operário". Ele ingressa na fábrica como cidadão trabalhador, e como tal, tem direito a ser respeitado como ser humano.

A expropriação de terras e imóveis (pena de perdimento) pode impactar, de alguma forma, as condenações por danos morais alcançadas, na esfera trabalhista, em ações civis movidas pelo Ministério Público do Trabalho?

Não vejo incompatibilidade entre as condenações em danos morais coletivos e a pena de expropriação prevista na PEC 438. A justificativa para a condenação em danos morais coletivos é a existência de dano à sociedade de um modo geral, pela violação grosseira a um bem juridicamente tutelado da mais alta relevância no caso, a liberdade do ser humano. Essas condenações têm caráter pedagógico, visando a desestimular que a pessoa incorra novamente nessa prática, e também caráter exemplar, a fim de que outras pessoas nem sequer pensem em fazê-lo. A indenização por danos morais coletivos foi considerada um grande avanço no arcabouço jurídico, por trazer uma consequência concreta e pesada ao infrator, sob a ótica pecuniária, mas ainda insuficiente para desestimular definitivamente a prática. Já a pena de perdimento decorre de uma disposição constitucional específica e tem como fundamento a necessidade de desestimular a utilização da propriedade privada para atingir finalidade ilícita. Ao consagrar tal pena para a exploração do trabalho escravo, o legislador consagra tratamento equivalente àquele dado ao crime de produção de substâncias psicotrópicas. A esperança é que, com essa equiparação, a consciência da sociedade brasileira se expanda para considerar inaceitável, em pleno século XXI, que um ser humano reduza o outro a condições análogas à de escravo. Penso que assim, estaremos finalmente dando um passo definitivo para a promoção integral dos direitos humanos e da cidadania no Brasil.

(Rafaela Alvim)

Originalmente publicada no site do TST


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